- domingo, 06 de outubro de 2024
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O trocadilho no título do artigo é proposital. A intenção é trazer, de forma imediata, uma reflexão sobre os motivos para a utilização da estratégia terapêutica com óxido de zinco (ZnO) e os impactos da sua possível retirada. Não é uma pergunta a ser respondida. Mas, sim, um convite a entendermos por que a retirada do ZnO (e dos antibióticos promotores de crescimento) é uma oportunidade de aprimoramento do sistema produtivo.
Como pano de fundo, temos a infindável discussão sobre resistência antimicrobiana e o papel da produção animal intensiva neste cenário. Apesar de não haver claras evidências científicas da participação do uso de antibióticos pela cadeia de produção animal na ocorrência de bactérias resistentes ou multirresistentes em ambientes hospitalares, ao avaliarmos o documento “WHO Guidelines on Use of Medically Important Antimicrobials in Food-Producing Animals” da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) publicado em 2017, observamos um conjunto de quatro recomendações e boas-práticas para o uso de antimicrobianos na produção animal:
A própria OMS, no mesmo documento, reconhece que as evidências disponíveis para embasar as recomendações são de baixa (recomendações 1 a 3) e muito baixa (recomendação 4) qualidade. No entanto, ao falarmos da utilização de antibióticos com doses abaixo da concentração inibitória mínima e por períodos prolongados, como é o caso dos promotores de crescimento, faz sentido considerarmos, pelo menos, a aplicação da recomendação 2.
Frequentemente presente na produção intensiva de suínos, a Diarreia Pós-desmame é um distúrbio que ocorre em leitões, alguns dias após o desmame. Esta é uma fase especialmente crítica para o animal, que passa por algumas transições que impactam em alterações na dinâmica gastrointestinal e fisiológica como, por exemplo, a troca de uma dieta líquida, altamente digestível e rica em substâncias protetoras, o leite materno, para uma dieta sólida, com compostos não-digestíveis em sua integralidade e sem a proteção de anticorpos e citocinas presentes no leite materno. Além disso, situações de estresse estão presentes nesta fase, como a adaptação dos animais às novas instalações, definição da hierarquia social no lote, mistura com animais de outras origens, procedimentos de vacinação, entre outros. Estas alterações desencadeiam mudanças no trato gastrointestinal (TGI) que favorecem a adesão, colonização e multiplicação de bactérias patogênicas no intestino, em especial, E. coli.
O ZnO tem sido utilizado amplamente e com sucesso nas últimas décadas como forma de tratamento das condições entéricas no pós-desmame. A terapia consiste na utilização de doses em torno de 2.500 ppm de Zn nas dietas dos leitões, ao passo que a dose para suprir o requerimento nutricional da fase não é superior a 150 ppm. No entanto dois pontos surgem com importância nas discussões em torno de uma possível restrição no uso do ZnO terapêutico:
Após uma análise de risco-benefício, avaliando os pontos elencados acima, em junho de 2017, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) decidiu pela retirada das autorizações para a comercialização de produtos veterinários de uso oral com ZnO na sua composição, em um prazo máximo de 5 anos. A decisão tem validade para os estados membro da União Europeia. No entanto, o fato de a restrição estar baseada em dois pontos relevantes sob o aspecto de sustentabilidade da cadeia (resistência antimicrobiana e meio ambiente), gera a necessidade de discussão do tema, com foco especial às alternativas a serem implantadas em uma eventual restrição ao uso terapêutico do ZnO no Brasil, seja por regulamentos internos, seja para atendimento de algum mercado importador.
No que tange ao sistema produtivo em si, algumas ações são fundamentais para alcançar o sucesso na retirada de uso terapêutico do ZnO e estão centradas em um programa robusto de Biosseguridade que contempla procedimentos de isolamento, controle de tráfego, higienização, quarentena, medicação, vacinação, monitoramento, erradicação, auditorias, educação e plano de contingência.
Com foco especial à suinocultura, vale reforçar as seguintes ações em um programa de biosseguridade:
Como comentado anteriormente, os principais fatores de risco para a ocorrência de diarreia pós-desmame são causa, direta ou indireta, de um desequilíbrio na microbiota intestinal, levando a uma predominância de bactérias potencialmente patogênicas e desencadeando o quadro clínico característico. Tendo este contexto em mente, é preciso estabelecer estratégias no sentido de promover um equilíbrio maior na microbiota intestinal e uma sobreposição de microrganismos potencialmente benéficos sobre aqueles patogênicos.
Uma ação a ser implementada é evitar o uso profilático de antibióticos nos leitões, tanto pré, quanto pós-desmame. É preciso lembrar que mesmo as bactérias com perfil benéfico ao hospedeiro são susceptíveis à maioria dos antibióticos utilizados. A utilização de um antibiótico de forma preventiva pode ser um dos desencadeadores de um desequilíbrio mais importante na microbiota intestinal.
O uso de produtos com potencial de modulação da microbiota e/ou controle de bactérias patogênicas no TGI, tanto via ração, quanto via água de bebida, também é uma estratégia que pode ser aplicada com o intuito de substituição do uso terapêutico do ZnO. Podemos agrupar os principais produtos com esta finalidade ou perfil de ação da seguinte forma:
Não é possível estabelecer um programa padrão e universal com esta finalidade. É necessário avaliar os desafios de cada granja ou grupo de granjas na mesma região ou integração a fim de estabelecer um programa personalizado. No entanto, é possível afirmar que, para um efetivo controle da diarreia pós-desmame em um cenário sem a utilização de ZnO terapêutico, é necessária a elaboração de um programa que englobe compostos representantes de dois ou mais grupos citados acima, além das ações já mencionadas de biosseguridade e não uso de antibióticos preventivos.
Fica evidente que, apesar de não estarmos sujeitos imediatamente à retirada do ZnO terapêutico da produção de suínos no Brasil, temos uma oportunidade interessante de aprimorarmos ainda mais o sistema produtivo brasileiro sob o ponto de vista de biosseguridade e prevenção da ocorrência de diarreias pós-desmame e outras enfermidades entéricas, atuando nas causas primárias destes problemas.